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sexta-feira, janeiro 16, 2004

regresso ao estúdio 

(o meu pai, quando me apanhava a ouvir o “Loveless”, dizia que os My Bloody Valentine eram esquizofrénicos - e tinha toda a razão. Um amigo meu, a quem emprestei uma cassete de “Ecstasy And Wine”, pensava que havia um problema na gravação - e estava enganado. Aquele “noise” todo era produto do perfeccionismo do grande guru da maior parte das bandas presentes na compilação “Feedback to the Future” e de muitos grupos com som "indie" que por aí andam - Kevin Shields. Sabemos disso: para além de todos os diagnósticos e equívocos, os My Bloody ficarão na História como uma das bandas mais marcantes da música alternativa de guitarras. Uma espécie de anjos ruidosos e indolentes que conseguiram escapar ao controlo anti-dopping. Contaram-me que Kevin, depois de ter composto quatro canções para a banda sonora de “Lost in Translation”, voltou a reunir a banda num estúdio. Tenho as mesmas preocupações em relação ao regresso dos autores da obra-prima "Loveless" que o Pedro tem relativamente ao ressurgimento dos Pixies. Mas, ainda assim, com a ajuda de uma dose diária de utopia, espero que o resultado seja uma das concretizações felizes de 2004) NCS


quinta-feira, janeiro 15, 2004

A preceptora 

Depois de ler posts sobre cinema islandês, isto é um verdadeiro downgrade, mas lá vai... Hoje, em conversa com um amigo sobre escolas para os filhos, descobrimos que o melhor sempre é arranjar uma preceptora e ficar por casa - mas uma preceptora para nós. Quando tivermos trinta, tinta e cinco, vamos chegar à conclusão de que há imensa coisa que não sabemos, imensa coisa que não tivemos tempo ou paciência para ler... Nada melhor que arranjar uma preceptora, paciente e dócil, que nos entenda e nos ensine, com tempo e com dedicação. As crianças vão para a escola pública, para aprenderem a ser homens e mulheres de barba rija ou aparada. Nós ficamos em casa com a preceptora, a apurar o alemão, a redescobrir a geografia, a reler os gregos sem pressas. Este meu amigo, e agora colega de projecto educativo, é o mesmo que, há algum tempo atrás, me dizia que só devíamos dar aulas até ao dia em que deixássemos de achar piada às alunas, que depois estávamos velhos e já não valia a pena... Claro que lhe disse que melhor crivo era o dia em que as alunas deixassem de nos achar piada, que aí sim, estávamos mesmo acabados. Enfim, conversas de bar de faculdade... MR

Champagne Supernova 

(o reparo do Francisco Mendes da Silva ao meu texto sobre o Ryan Adams fez-me recordar uma passagem de ano em que ouvi um tema ‘épico’ dos Oasis; sim, nostalgia pura e simples)

Uma passagem de ano de há uns anos. Eu e o meu amigo Bernardo Rodrigues, aperaltados com um smoking à justa, de copo de champanhe ou de whisky na mão e prontos para ir muito nostalgicamente dançar o “Meu Amigo Charlie Brown” (como fazíamos quando tínhamos 14, 15 anos, empurrados pelo arrojadíssimo Pisang Ambon e pelo desejo de conquistarmos as debutantes). Lembro-me bem: a televisão estava ligada na MTV e uma das músicas escolhidas pela estação para o início do ano novo foi o Champagne Supernova, dos Oasis. Gesto automático: aumentámos o volume do monitor e erguemos os copos para as estrelas ao mesmo tempo que cantarolávamos o refrão vezes sem conta - “Some day you will find me/Caught beneath the landslide/in a champagne supernova in the sky”. Depois, bem, depois, acabámos de beber, endireitámos os laços e arrancámos, como os nossos pais e os nossos avós faziam, para o escorregadio território das danças de salão. NCS

quarta-feira, janeiro 14, 2004

música para Janeiro 

Wonderwall
Tenho seguido com interesse o percurso do músico que todos os dias tem de ouvir um trocadilho irónico com o seu nome: Ryan Adams. Devo confessar que não é a rockalhada que me interessa ali. São as canções, as canções tristes de songwriter inspirado e, por vezes, birrento. Não sabia que o mesmo se aplicava às versões que faz de músicas de outros. A recriação de “Wonderwall” (incluída em “Love Is Hell”, pt. 1) é simplesmente assombrosa. Noel Gallagher, ao ouvir o tema, deve ter partido a aparelhagem com uma cerveja.

Pale Saints
A compilação “Feedback to the Future” inclui, entre muitas outras bandas, os Pale Saints (“Sea of Sound” foi a canção escolhida para figurar nesta mostra de shoegazers). Apesar de ter muito respeito e afecto por quase todos os nomes aí presentes (os Ride e os Slowdive, sobretudo; bandas como estas modelaram a minha forma de sentir o mundo), não colocaria os Pale Saints nesse grupo de rapazes (e raparigas, no caso dos Lush) que tiravam prazer de misturar explosões sónicas com vozes cândidas. Os Pale Saints, os Pale Saints de “The Comforts of Madness”, uma expedição sem interrupções ao centro dos sonhos, são de outro patamar. Escondiam um segredo. Os subúrbios de Leeds estiveram, durante algum tempo, na agenda dos deuses. NCS

Os prazeres da literatura islandesa 

Fui introduzido nos prazeres melancólicos da literatura islandesa pelo Nuno, num destes dias, há uns anos atrás, quando ambos nos esforçávamos por terminar o curso de Direito e frequentávamos a mesma subturma, desterrada para as temidas “catacumbas” da faculdade, local soturno e esconso, propício a torturas medievais. Na nossa sala de aulas, cerca de trinta alunos travavam uma luta diária pelo privilégio de se sentarem nas cerca de quinze cadeiras e apreciarem o verdadeiro ambiente de um instituto de reinserção social (não sei porquê, seria das grossas grades?). Pormenor mais burlesco eram as duas enormes vigas, nos cantos traseiros, que constituíam o castigo máximo para quem chegava tarde, condenado assim a encará-las durante uma aula inteira sem qualquer possibilidade de contacto visual com o professor.

Foi neste cenário tristonho que o Nuno, num belo dia, decidiu abrilhantar a nossa apresentação de um trabalho sobre a poluição marítima (para a fundamental disciplina de Direito do Mar), com a citação de um poema do escritor Brynjar Björn Gunnarsson, em que este exortava os humanos a amar a natureza. Escusado será dizer que no final a nossa turma se levantou e aplaudiu durante largos minutos, comovida (e apesar dos anos que desde então passaram, nunca me irei esquecer do som da lágrima do nosso professor, ao embater no chão de pedra). Encantado com aquelas palavras, comecei a embrenhar-me nos mistérios da literatura islandesa. Devorei, naturalmente, as obras completas de Halldör Laxness (Prémio Nobel da Literatura em 1955) e saboreei os poemas bucólicos de Helen Finnbogadottir, essa grande poetisa, mas foi sobretudo Gunnlaugur Thorsteinsson, um dos mais conhecidos escritores na região de Skagafjördur, que me prendeu para sempre às palavras desta nobre ilha. Escritor controverso, Thorsteinsson foi perseguido pela Igreja Católica, particularmente pelo padre Geir Baldvinsson, da paróquia de Öxnadalsheidi, devido aos seus romances indecorosos, em que punha a nu a moral hipócrita da Islândia rural. Recentemente, obteve a merecida consagração internacional, ao publicar um dos seus contos numa antologia das Ilhas Faroé. Deixo-vos aqui um excerto do seu romance “Eyjafjördur, I ökvaylla son“:

Andur olhava para Ásgeir, filho de Thorgal Ingimarsson. Ásgeir também, enquanto tomava conta das ovelhas, lá no vale de Vesturdalur, verde e mais verde, até mais não o ser.
“Amo-te”, disse por fim,
“foge comigo”, acrescentou,
“que tal?”, perguntou.
“Oh, amor, bem sabes que não podemos, porque o meu pai, Ólafur Ingi Skúlason, me quer casar com Rúnar Kristinsson, filho de Kristin. Além disso”, acrescentou triste, “o padre Helgason acha que tu não és bom cristão e por isso viveríamos em pecado.”
“Quero é que o padre Helgason vá para o Kerlingarfjöll! Esse filho de um glaciar geotérmico!”
“Ásgeir!!!” Andur estava chocada. “Como é que és capaz de dizer um turpilóquio desse? Vais arder no inferno, sem quaisquer comodidades.......


REC


terça-feira, janeiro 13, 2004

mais notas 

1) A SIC-Notícias fez três anos. Dou os parabéns à SIC-Notícias pelos bons programas de informação e pelos documentários. Mas também aproveito para escrever, nesta altura de celebração, que o que se faz ali não é, muitas vezes, o serviço público que é proclamado nos anúncios. Não me parece, por exemplo, que seja serviço público perguntar a um filho de alguém que foi detido por suspeitas de pedófilia qual foi a primeira coisa que disse ao pai logo que o encontrou.

2) A Estranha Vida de Igby, de Burr Steers. Fui a conselho do João Miguel Tavares (numa crítica no DN) ver e recomendo. A tragédia da vida de um rapaz cercado pelas imagens de uma infância traumática e pelas iniciações da adolescência atravessada de diálogos sarcásticos e interpretações com rasgo (a de Susan Sarandon no papel de mãe afectada e distante, por exemplo). NCS


domingo, janeiro 11, 2004

De regresso, umas notas 

1) Fico, como todos, triste com a saída do Luís Filipe Borges. Percebo, no entanto, as suas razões. O Tiago explicou-as com profundidade e clareza num post recente. Julgo que a médio prazo a saída do Luís vai ter bons e consistentes resultados criativos.

2) Esqueçamos, por uns instantes, as farfalhices - e outras histórias igualmente sórdidas. Da minha terra, os Açores, chegam (vá lá!) excelentes notícias – vão surgindo novos blogs em cada semana. Aos meus queridos amigos do Ilhas e ao Nuno Barata, do Fogotabrase, juntam-se agora as inquietações do André Bradford.

3) Sabe cada vez melhor mergulhar no Ondas. Escrita límpida como o fundo do mar (quando o imagino) junto às rochas e um conjunto de referências - cinematográficas, literárias, musicais, etc. - interessantes para quem tem pelo surf – e pela vastidão dos oceanos - uma paixão platónica.

4) Não venho a tempo de entrar no debate blogosférico sobre a vida privada, iniciado pelo Luís Osório. Digo apenas que a entrevista com o Nicolau Breyner que o próprio fez e publicou na semana passada no DNA é um óptimo exemplo de como a vida privada de alguém pode ganhar transcendência humana e artística nas páginas sujas e contingentes de um suplemento de jornal. Foi das melhores peças que li na imprensa nos últimos tempos.

5) Um abraço final para o Miguel Nogueira, do agora renovado Origem do Amor, que tem tido com esta coisa dos blogs uma relação que me parece saudável – de descoberta, de partilha. O Miguel (felizmente) não está aqui para dar lições a ninguém. NCS

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